O pensador de quem empresto a alcunha disse certa vez: “posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.” Apesar do aspecto “Cândido”, tal reflexão está longe de adoçar o lábio da intolerância estampado nas novas faces sob os capuzes da inquisição contemporânea. Cônscio do poder das palavras e do estrago que elas causam quando usadas de forma irresponsável ou leviana, ainda assim me vejo na condição de defender que nada no mundo justifica o cerceamento da liberdade individual de expressão.

Vislumbra-se no horizonte o crescimento de um desvairado redemoinho de policiamento em nome desse modelo de ditadura do “politicamente correto”. Tal movimento blasfema diretamente contra o campo do debate de idéias e promove perplexidade diante da hipocrisia maniqueísta das atuais modinhas comportamentais. Idéias são perigosas, fato. Mas a ausência delas caracteriza o empobrecimento do espírito, cultura, crítica, arte, razão e, por conseguinte, do próprio povo como elemento de conhecimentos filosóficos e valores humanísticos elevados.

Defendendo os apelos de meu inspirador, abandono a subjetividade elegante para entrar de sola no assunto que me conspícua a alma, a recente ondinha de ativismosinhos ditatoriais cagando regras neste impávido colosso federativo, cinicamente representado como figura democrática e liberal, apesar de exemplos evidentes como a mordaça imposta a humoristas e críticos durante as encenações circenses para o pleito de 2010, impedidos de ironizar ou tecer comentários jocosos sobre os ilustres candidatos, demonstrar que estamos longe de viver no melhor dos mundos possíveis. Laissez Faire de cu é rola, incoerências desse porte são o mínimo que se espera desses excelentíssimos sacripantas, afinal, gargalhar perante a cara de palhaço da sociedade pode, não é mesmo?

O exercício do cala-te ou te devoro é muito maior do que a vã filosofia voltaireana ousa sonhar. Este processo de novilingualização por meio de eufemismos para denotar etnia, opção sexual, credo, direcionamento ideológico ou social sugere apenas o uso pragmático das técnicas pavlovianas de condicionamento em suas cobaias caprinas para que não se afastem do rebanho. Das Cruzadas à Doutrina Bush, a História ilustra como a incômoda formação de grupinhos em defesa de causas supostamente nobres invariavelmente redundam em fogueiras para arderem como bruxos os detentores de opiniões contrárias às verdades incontestes dos que se proclamam perseguidos.

Perdidit antiquun litera prima sonum, “as primeiras letras perderam seus primitivos sons”. Deturpa-se o valor léxico das palavras para atribuir a elas uma conotação indecorosa, nem sempre existente diga-se de passagem, nessa frenética busca por regalias legais em feudos institucionais. Nada contra a luta por direitos legítimos, mas bem sabemos o quanto é tênue a linha que cria proibições e obrigações despóticas a fim de agradar a pequenas facções sem observar a vontade do todo. É por demais ilógico que o simples uso de verbetes seja julgado como algo de proporção tão hedionda, independentemente do contexto utilizado, porém é duplamente mais incoerente que um lado seja preterido, enquanto o outro desfrute das mais invariáveis concessões, alicerçado na suposição de uma frágil compensação histórica.

Quem hoje não defende a causa gay, automaticamente é rotulado como homofóbico. Contestar o fator meritocrático baseado na cor da pele se tornou racismo. Repudiar o pagamento de indenizações biliardárias a guerrilheiros comunas por total desserviço à nação garante o título de fascista de extrema direita. Não ter crenças religiosas é sinônimo de heresia. Condenar o uso de força repressiva pela legalização de quaisquer substâncias proibidas pela empáfia governamental é crime de apologia. Não aceitar o coitadismo das políticas assistencialistóides premia com o notório emblema de conservador reacionário. Preferir as comodidades do progresso e urbanização concede o estereótipo de Public Ecoplanet Enemy Number One. E até beijar a própria filha já sinaliza prática de pedofilia ou incesto.

Pelos Meus Santossacros Testículos, arautos dos exageros e guerrinhas insanas em nome das migalhas e privilégios disfarçados de justiças sociais, com o devido respeito pelo direito de pronunciamento de seus jargões, estejam de cu tomado. Fomentar a legitimação da guilhotina e do cadafalso como se fossem os novos profetas da razão absoluta, combatendo preconceito com preconceito ainda maior, nada mais é do que mero exercício de mediocridade totalitária. Defendo até a morte o direito de dizerem o que bem entendem, mas não levantem estandartes para calar os que porventura não concordem com suas palavras.

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2 Comments

  1. Que belo ponto de vista! A gente, no dia a dia, não para pra pensar nas consequências terríveis que o “políticamente correto” devagar vem trazendo para a sociedade e à liberdade de expressão. Parabéns pelo texto!

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